Relances da experiência vivida, recolhidos em tramas brevíssimas, de dicção enxuta em que tudo ganha nitidez máxima e máximo poder de iluminação — assim são as histórias que Milton Hatoum reuniu em seu primeiro volume de contos, A cidade ilhada.
As sementes das histórias de Hatoum não poderiam ser mais diversas: a primeira visita a um bordel em “Varandas da Eva”; uma passagem de Euclides da Cunha em “Uma carta de Bancroft”; a vida de exilados em “Bárbara no inverno” ou “Encontros na península”; o amor platônico por uma inglesinha em “Uma estrangeira da nossa rua”. Com mão discreta e madura, Hatoum trabalha esses fragmentos da memória até que adquiram outro caráter: frutos do acaso e da biografia pessoal, eles afinal se mostram como imagens exemplares do curso de nossos desejos e fracassos.
Desejos e fracassos, aliás, respondem pela rede subterrânea que amarra os contos de A cidade ilhada. Se o desejo, a literatura ou a viagem levam os personagens a expandir o raio de sua ação e a transpor as barreiras da infância e da moral, da classe e da província, estes mesmos elementos não se dão por vencidos e, mais cedo ou mais tarde, recaem sobre os heróis como uma fatalidade que os traz de volta a um centro imóvel: “para onde vou, Manaus me persegue”.
terça-feira, 15 de setembro de 2009
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